Pedro Ayres Magalhães: "Só passam na rádio duas músicas dos Madredeus. É uma censura terrível"

O músico entra no local de encontro afogueado por causa de um calor de verão que tornou aquele dia um dos raros deste ano que estiveram de acordo com a tradição de se registarem altas temperaturas. Talvez por essa razão vinha indisposto e pronto a dar umas negas sucessivas ao fotógrafo e implicar com o entrevistador.
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As fotos não ficaram assim tão mal e a conversa andou aos altos e baixos até que uma particularidade amansou o ideólogo dos Madredeus e permitiu que a entrevista fosse até ao fim. Pedro Ayres Magalhães ainda disse "Não nos estamos a entender" e "agora vai aprender algumas coisas sobre este meio", enquanto bebia o seu mazagran. Após uns três confrontos, lá acontece o milagre do entendimento e até a condescendência num tratamento mais tu cá tu lá. Nada que não fosse bom para espicaçar uma revisão de uma carreira com mais de três décadas, vários grupos e mais de duzentas canções assinadas por si. Além dos Madredeus, existem os Faíscas, o Corpo Diplomático, os Heróis do Mar, os Resistência, participações nos Delfins... E uma fraseologia muito própria entre os mitos criados por si, tal como o nome das bandas. São os Resistência ou a Resistência? São os Madredeus ou o Madredeus? Nada que depois de ter dado voltas ao mundo em centenas de espetáculos protagonizados pela maior banda do fim do século XX português o deixe satisfeito. Não porque toda a propaganda que a banda fez de Portugal tenha valido uma comenda menor, como diz, mas por ser crítico da falta de apoio à criação por parte de todos os governos. A alta taxação aos rendimentos, a ausência de uma política cultural - entre outras - e uma mão-cheia de críticas. De novidades, temos a confirmação de que o próximo álbum dos Madredeus sai já em outubro, com o som resultante de uma sétima formação.

O Rui Veloso diz que é o pai do rock português. O José Cid alega que é a mãe. Pedro Ayres Magalhães é o pai ou a mãe de quê?

Não sou nada disso, toda vida tentei ser uma pessoa normal. Essa é a dignidade do meu trabalho, pois tudo o que fiz é público. Quando comecei com os Heróis do Mar, como éramos tão novos e bem articulados, as pessoas achavam que tínhamos mentores por trás. Sofremos disso durante anos e eu ainda hoje sofro por causa dessa ideia bacoca de que tinha sempre alguém por trás.

Quem é que não acreditava nos vossos projetos?

Éramos tão novos e precoces que o trabalho não poderia ser nosso. Foi uma grande injustiça que nos fizeram, que se manteve com todas as variações possíveis sempre que quisemos criar e publicar fora das instituições, numa vida livre e feita daquilo que queríamos em vez do que estava à escolha.

Sente-se diferente?

Sou como os outros portugueses. Trabalho como muitos fora das expectativas da sociedade mas ao serviço da sociedade.

Então, se está ao serviço da sociedade, considera que tem havido reciprocidade e que tem sido apreciado pelo público?

Isso não é bem assim. Estamos ao serviço, mas não estamos à espera de que apreciem. Sou uma pessoa que teve muito sucesso nos discos e na obra, daí que só possa dizer que sim, mesmo que considere que não seja essa a verdade.

Os artistas acham que devem ser acarinhados pelo povo. Sente que merece isso?

Nunca pensei assim, pelo contrário. Somos de uma geração em que não havia nada, nem pensávamos que as pessoas tivessem de aderir ou de nos acarinhar. Nós é que abraçamos a atividade com o máximo de energia, de forma a entreter as pessoas, a chamar a atenção ao amor pela música, à poesia, à dança, à expressão, à voz própria e à voz individual. Hoje há muito mais estudantes de música, mais escolas, mais dança, e as pessoas são muito mais desembaraçadas do que eram no meu tempo. É esse o tipo de influência indireta que julgávamos poder um dia vir a ter. Não era a necessidade de um carinho pessoal.

Mas o público não ia aos concertos dos Madredeus com admiração?

Cada um faz a sua interpretação, mas essa não é a minha. Não consigo saber o que o público está a fazer, só o que nós estamos a fazer. Nem consigo saber quem é o público, pois as pessoas sentam-se no teatro, estão umas ao lado das outras mas não são amigas. Nem sequer conversam! Portanto, tratar o público por tu é uma coisa que eu não faço, só conheço as pessoas que vêm falar comigo.

Que não serão poucas!

Conheço o público através dos jornalistas, das perguntas que eles fizeram ou que não fizeram durante uma carreira mundial que tive a sorte de ter. Foi deste modo que fiquei com uma ideia vaga sobre um disco ou sobre um ou outro tema, porque de resto não faço uma leitura a não ser aquela que toda gente faz: o público está em silêncio ou aplaude de pé. Sou muito desinteressado dos públicos no mundo inteiro.

Essa não é uma posição egoísta?

Egoísta, não. Modesta. Pessoalmente, não tenho uma expressão pois as coisas que publiquei são em grupo e num espetáculo. Anunciam-se os concertos, as pessoas vêm, nunca são as mesmas, nem eu estou ali para as conhecer. Há algumas que se tornaram minhas amigas num concerto, mas poucas.

A sua carreira passa pelo mundo inteiro, com públicos diferentes. Tem tido choques culturais?

Não.

O público japonês não é muito diferente do nosso, por exemplo?

Não é nenhum choque, pelo contrário, no caso do Madredeus. Que tem um concerto muito modesto e singelo, com instrumentos acústicos e sem recursos técnicos ou fogo-de-artifício. É só a música e canto, que é a maravilha do Madredeus por ser numa língua estranha que poucos conhecem, mas as pessoas relacionam-se com o que estamos a fazer do ponto de vista musical, melódico e poético. Não há choques, antes a descoberta de uma empatia e de uma curiosidade por parte de outras culturas. Não houve choques nenhuns. Há até o caso interessante de em Macau ou no Japão os concertos serem traduzidos.

Como na ópera?

Exatamente.

Os Madredeus já passaram por várias fases. Qual é que lhe agradou mais, a primeira?

Não. Sou eu que faço as mudanças e tenciono, enquanto puder, de-senvolver o grupo. As pessoas mudam, mas continuo a escrever música, gosto de gravar, de inventar e de ensaiar.

Não é complexo estar sempre a mudar uma banda?

Não é uma coisa que eu queira, é uma situação que acontece por várias razões. O Madredeus é um grupo libertário e os seus membros têm muitas razões para não entrarem na rotina de ser sempre um mesmo grupo. Não é mais difícil agora do que era no princípio da nossa carreira, é mais um trabalho infinito.

Mas não é mais difícil hoje essa permanência?

Não, porque no princípio era um grupo de pessoas desconhecidas, sem apoio de outros artistas ou editoras. Eu tinha 30 anos quando comecei, e era muito difícil manter esse grupo coeso quando não havia concertos. Porque era um grupo em que não havia bateria, ou seja, completamente diferente do que era habitual fazer-se na época. Foi através desse desconhecimento que conseguimos alguma notoriedade, com os temas Pastor e a Vaca de Fogo, e a tournée do concerto do Coliseu. Só que um grupo que já tinha uns cinco anos de existência nunca mais mereceu em Portugal tanta atenção como teve nessa altura. A partir daí foi sempre mais difícil.

Não acho que os portugueses não dessem atenção aos Madredeus...

Isso eu não sei, estudem o que se passou. Os Madredeus foram também uma moda mas continuámos a crescer, mesmo que em Portugal houvesse críticas. Lembro-me quando fizemos o disco O Espírito da Paz e o acharam muito parado. No entanto, vendeu milhões no mundo inteiro! Ou o que aconteceu com a banda sonora do filme de Wim Wenders, que nos abriu portas no mundo inteiro, e aqui só disseram mal do filme. Tanto que esteve apenas uma semana em cartaz. Talvez porque coincidiu com os anos em que as bandas começaram a cantar em inglês.

Que era o oposto do vosso percurso?

Nem sequer era o oposto, não tinha nada que ver, mas para os media os êxitos eram os desses grupos e não os dos Madredeus.

Insisto que os Madredeus foram sempre um grupo acarinhado, até porque eram uma espécie de mito. Discorda?

Não sou eu que vou dizer que não. Mas pergunto: acarinhado por quem? Que carinho existia e de que maneira era demonstrado? Que músicas da banda é que se ouvem na rádio? Diga-se que os Madredeus têm 200 canções e que venderam em Portugal um milhão de discos desses Madredeus e ninguém vende tanto. Por isso, não vou dizer que não sou acarinhado. Sem dúvida que fui acarinhado por alguém, mas é estranho que só conheçam duas das muitas músicas dos Madredeus para passar na nossa rádio. Acho que é uma censura terrível, mesmo que não saiba de quem é.

Não é habitual ver-se a questão desse ângulo!

Mas é essa a nossa vida. A RTP, por exemplo, quantos filmes dos Madredeus é que tem? No outro dia fizeram uma coisa sobre a nossa música até ao ano 2000 e eu fui lá duas vezes: falei duas horas dos Heróis do Mar e outras duas dos Resistência. Dos Madredeus não falei. Porquê? Porque não havia nenhum filme do grupo, pois a televisão nunca filmou um concerto nosso. O que é que vou dizer? Que não fui acarinhado pela RTP? Era só o que faltava, mas de facto eles não passaram cartão.

Sobra o filme de Wim Wenders, que correu o mundo inteiro.

Eu é que o servi, porque não veio aqui à minha procura. Tinha um subsídio para fazer um filme-encomenda, chegou cá e gostou de ouvir os Madredeus. Isso é em 1994, quando me dizem que "o Wim Wenders quer jantar contigo". Ele queria usar a música dos discos antigos dos Madredeus num filme que ainda não sabia o que seria e eu disse: não, esses discos são bons mas estão gravados em duas pistas e nós agora somos muito melhores, temos muito mais músicas. Ele perguntou: "E são sobre Lisboa?" Sim, são todas sobre Lisboa. Ele foi ouvi-las ao estúdio e ficou encantado com a Teresa a cantar e o modo como o grupo tocava. Ele próprio disse-me que escolheu dez músicas e que as canções o conduziram a criar um novo ambiente de Lisboa.

Foi um momento importante para a banda?

De uma importância fantástica, porque estávamos numa época muito favorável, no ano em que foi divulgado o CD e as companhias ganhavam balúrdios a passar os arquivos para este suporte. As vendas duplicaram na indústria e abriram várias etiquetas de música antiga, nova, étnica, e não sei mais o quê. E nós tínhamos um filme do Wim Wenders com a nossa música para nos mostrar ao mundo. Só que os portugueses receberam mal o filme, porque era subsidiado e mostrava uma Lisboa antiga em vez de uma moderna. No entanto, foi esse filme que nos abriu portas em muitos países e das quais resultaram quatro tournées mundiais.

Que tiveram muita repercussão.

Cá não, quase nada foi publicado sobre esse sucesso. Até fiquei passado com essa manta de silêncio, porque é incompreensível que se faça a um grupo de portugueses, que pagam impostos bastante elevados em Portugal, uma coisa dessas, como se nada acontecesse.

Não houve apoio, é isso?

Só se foi nos impostos, a cobrarem 50% dos rendimentos! Fomos convidados a viajar pelo mundo inteiro, não nos impusemos com uma faca na mão ou com um canhão pronto a disparar como fizeram os nossos antepassados.

Acreditava noutro tratamento?

Quando começaram as tournées mundiais eu estava tão eufórico que pensava que a resposta seria diferente. O que aconteceu foi o contrário, em vez de arranjarem apoios ou benefícios fiscais tudo se complicou. A taxação foi aumentada nestes últimos 20 anos até chegar ao ponto de o benefício fiscal para um autor acabar nos dez mil euros. Não há coisa mais hipócrita, isto é de um país primitivo, que ainda não conseguiu separar o comércio ou importação da criação. Conseguem é derreter as expectativas de um autor, de alguém que quer criar em vez de ter um emprego das 9.00 às 17.00 ou fazer uma vida pelos padrões normais. Os autores são para ser protegidos, não para o Estado lhes levar o dinheiro todo. Nunca ninguém se debruçou sobre aquele que considero ser o nosso "melhor" poema: a lista de viagens incrível que temos vindo a fazer.

Como vê o fim dos direitos de autor por causa da pirataria?

O Estado tem uma posição de total incompetência. Não se responsabiliza pelo roubo de obras que é o que significa os downloads ilegais ou a pirataria. Em França, vai-se a um site ilegal e há logo um aviso.

Pode dizer-se que sempre fez o que gostou?

Fiz o que quis e paguei o preço, mesmo que nem sempre tenha feito o que gostava.

Manter um projeto como os Madredeus e fazer outras bandas deram-lhe uma liberdade que a maior parte dos artistas não tem?

Tive uma opção muito ambígua aos 14 anos, pois sou filho de certas leituras do movimento hippie, das novas esquerdas, da sociedade alternativa e da comunidade com novas regras, como as religiões orientais. É um mundo que toda gente conhece mas que eu levei a peito por não querer que na minha vida houvesse mentira. Queria ter uma vida espiritual livre; não enganar ninguém, não mentir, não oprimir e não deixar de ouvir. Ainda hoje acho que sou uma pessoa bastante disponível para toda gente na esfera do meu trabalho, porque não é necessário ser autoritário como a maioria das pessoas são ou mentir. Essa foi a minha decisão aos 14 anos e a música apareceu como uma grande fantasia.

Nunca se sente a viver uma vida paralela em relação à de muitos portugueses por ter direito a criar?

Tenho direito? Ainda não percebeu? Não temos direitos nenhuns, somos espezinhados pelo Estado e recebemos menos por falarmos em português. É tudo ao contrário, não temos nenhuma benesse do Estado português, nem uma caneta, nem um obrigado. Não somos privilegiados.

Uma situação constante em todos os últimos governos?

Todos e em diferentes ideologias. Mas não me vai apanhar aqui a falar das ideologias, que não são muitas, aliás. A ideologia é mandar. Por isso a ideologia do PS e do PSD é mandar.

Tornaram-se iguais, os partidos?

Não vou dizer isso, não conheço, não privo com essas pessoas. Estou a falar da minha profissão. Tenho o direito de falar ou não no Diário de Notícias?

Sim.

Parece-me estar a perguntar se tínhamos noção de que éramos privilegiados porque fazíamos o que queríamos. Não somos nada privilegiados, somos perseguidos por fazer o que queremos.

Achei que com uma carreira assim teria a vida um pouco mais facilitada.

Nunca aconteceu isso. Como é que lhe irei explicar? Eu não vivo acossado com a incompetência ou com o desinteresse dos representantes de Portugal, que têm uma tarimba bastante insuficiente. Quando tiver de viver pobre, viverei pobre, porque eu precisava desse apoio aos 20 anos ou aos 30, quando era tudo difícil. Claro que os jornalistas perguntam quanto foi o apoio do Estado. Não apoiou nada. Aliás, devo dizer que recebi uma condecoração em 1994 de oficial da Ordem do Infante, que é a mais baixa. A Teresa Salgueiro recebeu a mesma no ano seguinte e, em 2004, recebemos a Medalha de Ouro do Mérito Turístico... Esse foi o apoio que recebemos dos representantes dos portugueses.

A situação tem vindo a piorar, designadamente nestes últimos quatro anos em que a cultura não tem qualquer apoio?

Não é só nestes quatro anos, isso posso dizer. Há muitas pessoas que contam com subsídios e boas relações pessoais, mas eu não ando a criar sinergias para me conseguir sentar num certo sítio num certo dia. Não me parece que tudo tenha piorado em Portugal, embora o país esteja a viver a fase da sua história mais rica e as pessoas nunca viveram tão bem. O que está a acontecer é uma desestruturação daquilo que podia vir a ser o nosso país. Não que ache que os portugueses não devam viajar, mas não os queria a emigrar ou a fugir daqui.

Nunca pensou em sair do país?

Não, porque pensei sempre em voltar.

Ao olhar para a nossa música atual, a única coisa que vemos são cantores de fado. Isso é bom?

Não é assim, há mais coisas. Aliás, é uma situação que não é por culpa dos artistas mas da imprensa. O fado é uma história que se conta curto: nos anos 80 não se podia falar em fado e os Heróis do Mar então não podiam mesmo. Como não podiam, foi o que fizemos com o fado Com a Voz Que me Resta. Nessa altura só havia dois fadistas, um era o Nuno da Câmara Pereira e o outro o Jorge Fernando. Quando fiz os Madredeus recusei-me a pôr a guitarra portuguesa e isso fez que inúmeras vezes nos perguntassem porquê. Eu respondia: aqui desprezam tudo o que é fado e tudo o que tem guitarra é fado. Como não quero que desprezem o trabalhinho que estamos a fazer com a nossa poesia só porque tem uma guitarra portuguesa, isto não é fado. Isto é a propósito do fado, mas é diferente.

Mas no palco era como o fado?

A posição dos músicos em palco é inspirada na Amália no espetáculo do Coliseu. Fizemos isso porque tinha visto também alguns concertos assim com o Carlos Paredes, em que a cantora no meio é que decidia. Quando começaram as viagens dos Madredeus tínhamos um problema com isso, porque em França ou nos teatros da Flandres, onde já tinha ido a Linda de Suza ou a Amália Rodrigues, rotulavam-nos de nouveau fado ou fado moderne. Achavam que vendiam mais bilhetes assim.

Quando é que o fado ressurge?

Quem começa a tocar nesse registo é o Rão Kyao e o António Chainho, depois a Dulce Pontes com aquele disco da Amália. Mas só no ano 2000 é que a Mariza arranca com tournées com guitarras, ainda assim com os violoncelos.

Vamos à carreira. Começa com os Faíscas. Como era tocar num grupo daqueles e naquela altura?

Antes de mais, nós não tocamos num grupo, nós não somos integrados num grupo; nós é que fazemos o grupo e depois o grupo toca onde quer. Os grupos não andam por aí, não são uma coisa que umas pessoas levam para um lugar. No caso dos Faíscas, estávamos num tempo em que até a guitarra elétrica era reacionária; ou um amplificador Fender, porque era americano, tinha um gajo a dar--lhe pontapés porque não era português. Ao contrário do que as pessoas pensam hoje, discutia-se à boca cheia o futuro de Portugal por quem nunca tinha saído de Lisboa. Talvez tivessem ido uma vez ao Algarve à praia. Mas nós tínhamos o desejo de conhecer o país o mais depressa possível e de acabar com os bailes onde as mulheres estavam de um lado e os homens do outro e ninguém dançava. Por isso, fizemos os Faíscas, com um repertório de rock"n"roll, músicas do Elvis e dos Beatles, porque era um meio caminho para uma banda punk. Fizemos mais de 20 concertos com os Faíscas porque nessa altura havia agentes artísticos e eles achavam-nos piada.

Antes do tempo do Corpo Diplomático?

Que nos fazia sentir a singularidade da nossa carreira ao ter de a exercer em festas de finalistas ou em concertos que organizávamos nos Alunos de Apolo. Tivemos um grande apoio nessa altura do António Sérgio e do Jaime Fernandes [da rádio], mas achámos que não tínhamos hipótese nenhuma apesar de termos feito alguns concertos. Fizemos um álbum giríssimo mas também não conseguimos. Isto é antes do Rui Veloso, em 1979, que edita com a Valentim de Carvalho, que era a maior companhia da altura.

O Rui Veloso é o mais famoso?

Não é mais famoso, é o mais popular e o mais bem-sucedido artista. É uma pessoa simpática, toda gente simpatiza com ele e com a sua música, toca e canta bem.

Que facilitou o aparecimento de outros grupos?

Ainda hoje o Veloso é o artista mais popular em Portugal. No início, ele fazia um blues e rock"n"roll em português. Chamava-lhe rock português mas era uma tradução. Ora, nós achávamos que íamos fazer uma música portuguesa original - elétrica e moderna - e é assim que nasce o Corpo Diplomático. Com certos ritmos de batida e com os baixos, coisas que achávamos que era um progresso e que surge bem visível nos Heróis do Mar. Que foi um tempo giro, mas de poucos concertos. Tínhamos de nos desmultiplicar em atividades, uns vendiam roupa, outros davam aulas, tudo para não falhar à banda. Havia a preocupação de fazer música elétrica moderna e com raízes portuguesas, fosse na poesia fosse na música. Até tínhamos uma música com os cantos de Os Lusíadas pronta! Queríamos situar-nos na cultura popular, e nos Heróis do Mar levámos essa fasquia ao máximo, mesmo não sendo muito bem entendidos.

Porque havia uma conotação de algum reacionarismo com esta banda?

É preciso meditar sobre essa falta de liberdade e de cultura. O que é que faziam uns putos de 20 anos sobre os quais vinha no jornal que eram fascistas? Aquilo começou e nunca mais acabou. Era como nos Madredeus, que era acusado de andar sempre lá fora e serem convencidos.

Mesmo assim os Madredeus terão a maior quantidade de álbuns vendidos, não é?

De álbuns vendidos não há hipótese de comparar. Mas eu não estou na corrida, vejo isso de outra maneira: tive sorte, dediquei-me muito aos grupos. Onde toda a gente paga, toda a gente recebe, toda a gente trabalha, e tudo era tratado com uma certa unidade. Sou uma espécie de diretor horizontal que põe tudo a girar. Muitas das canções são parcerias porque gosto de colaborar.

E é fácil representar esse papel no mundo da música?

Não, mas torna-se mais fácil quando se sabe o que dizer às pessoas. Torna-se fácil quando tenho intérpretes como a Teresa Salgueiro ou agora a Beatriz, para quem fizemos um álbum novo fantástico. São outras canções, melodias e letras. Não estou nessa guerra das vendas porque a minha guerra foi sempre a de praticar a minha música e a dos meus companheiros. Trabalhei muitas horas e com muita gente para explicar o que era o grupo, o que íamos ali fazer e qual era a diferença entre o concerto de há três anos e o desse ano. Não sei se vendi mais bilhetes do que discos! É que tivemos mais de mil concertos no mundo inteiro com o Madredeus. Por minha decisão, o Madredeus cortou sempre com aquela ideia de tocar os êxitos e, de cada vez que fazemos uma tournée mundial, íamos com um repertório novo.

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